TCLE e tradução: cuidados importantes para evitar pendências na CONEP

Gabriela Fazioni

Você já deve ter ouvido dizer que a tradução médica oferece um vasto campo de atuação para os profissionais. Tanto que é possível se especializar em um (ou mais subnichos) dentro do nicho Tradução Médica e não é raro ouvir tradutores dizerem que traduzem uma área X, mas não a área Y.

A tradução farmacêutica é uma das áreas englobadas pela tradução médica. Se quiser fazer uma pesquisa por campos no ProZ, vai perceber a estrutura “Medicina: farmacêutica”. E, para quem tem interesse na área farmacêutica, é importante saber que a Pesquisa Clínica é uma área de alta demanda de tradução e existem alguns documentos recorrentes que são exigidos pelas autoridades sanitárias para realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil.

Entre os vários documentos essenciais, destaco o protocolo de estudo clínico, a brochura do investigador, o formulário CIOMS, os relatórios de eficácia e segurança, a bula e o termo de consentimento livre e esclarecido. Para ter acesso à lista dos documentos essenciais para realização de ensaios clínicos, você pode consultar a diretriz E6(R2) do ICH.

Este artigo visa tratar especificamente de alguns aspectos da tradução do termo de consentimento livre e esclarecido, também conhecido como TCLE. Ao longo do texto, você compreenderá a importância de olhar atentamente às características singulares desse tipo de documento, para levá-las em consideração na hora de traduzir.

1. TCLE: documento essencial e singular

Como já mencionado, o termo de consentimento livre e esclarecido é um dos documentos essenciais exigidos para a realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil e sua definição é apresentada na Resolução n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Segundo a referida resolução, o TCLE é definido como “documento no qual é explicitado o consentimento livre e esclarecido do participante e/ou de seu responsável legal, de forma escrita, devendo conter todas as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais completo esclarecimento sobre a pesquisa a qual se propõe participar”.

O objetivo do TCLE é dar as informações acerca do ensaio clínico ao participante, que, após ler (ou ter o documento lido por alguém de sua confiança), assina e data o papel, consentindo sua participação no estudo.

2. Características linguísticas do termo de consentimento

O termo de consentimento tem características próprias diretamente relacionadas à linguagem. Isso porque as informações desse documento serão lidas — e devem ser totalmente compreendidas — por pessoas leigas. Portanto, como prevê a resolução, a linguagem deve ser clara e acessível, possibilitando a fácil compreensão das informações.

2.1 Estrutura das frases

Seguindo o que prevê a Resolução CNS n.º 466/2012 e trazendo esse conhecimento para a área da tradução, para produzir um texto claro, acessível e de fácil compreensão aos participantes de pesquisa, é importante considerar alguns pontos na hora de se sentar para traduzir:

  • evite frases longas;
  • dê preferência à ordem direta, com sujeito + verbo + complemento; e
  • busque evitar e solucionar frases truncadas, difíceis de compreender.

2.2 Terminologia não técnica

A pesquisa clínica evoluiu muito ao longo dos anos e hoje o respeito, a proteção e a autonomia dos participantes são uma preocupação-chave. Por isso, a todo tempo, a resolução n.º 466/2012 frisa a importância de prestar informações completas e claras, apresentadas de forma simples e acessível, para que o participante possa, de fato, tomar a decisão consciente do que a sua participação no estudo envolve.

Em relação à tradução, é importante ficar atento e se esforçar para utilizar termos popularmente conhecidos. Lembre-se, porém, que a terminologia precisa ser compreensível a todos os participantes. Então, é importante se atentar e evitar o uso de regionalismos.

Buscar sinônimos mais populares é um exercício interessante e pode ser divertido. Em vez de “cardiopatias”, prefira “doenças do coração”. Substitua “pirexia” por “febre”. Tenha em mente que o público-alvo do termo de consentimento livre e esclarecido é composto de pessoas comuns, leigas em medicina.

2.2.1 Cuidado com termos estigmatizados

Muitos participantes de pesquisa aceitam fazer parte dos estudos porque já não existem recursos disponíveis para tratar suas enfermidades. Regra geral, os participantes de pesquisa brasileiros não são remunerados e cumprem os procedimentos do tratamento sem sequer terem garantia de cura ou melhora.

Além disso, muitas enfermidades, como a AIDS e a hanseníase, são estigmatizadas por razões diversas. Outras condições, como a psoríase, podem estigmatizar por afetarem diretamente a aparência dos pacientes.

Em alguns casos, a própria doença já é uma carga excessivamente ruim. Portanto, é importante evitar termos negativos, discriminatórios e depreciativos. Alguns exemplos a serem evitados e varridos do vocabulário são aidético, lepra, leproso e cobaia (para seres humanos). Fique atento!

O tradutor de TCLE precisa buscar facilitar a linguagem empregada no documento, mas precisa se policiar para não escolher termos condenáveis.

3. TCLE: erros de linguagem que causam pendências

Toda documentação apresentada pela indústria farmacêutica para a realização da pesquisa clínica é avaliada, inclusive do ponto de vista linguístico. Isso porque é imprescindível que as informações não deem margem a dúvidas. Quando se observa uma inconsistência na documentação, é gerada uma pendência, ou seja, a indicação da inconsistência com necessidade de esclarecimento ou correção.

As pendências tornam o processo pleiteado pelas empresas mais demorado e dispendioso. Por essa razão e também pela recorrência de determinados erros, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) lançou o Manual de orientação: pendências frequentes em protocolos de pesquisa clínica, um compilado dos principais problemas encontrados na documentação dos ensaios clínicos que deve ser lido e guardado com carinho por você, tradutor.

3.1 Pendências de repetição da CONEP e o tradutor

Entre as pendências apontadas pela CONEP, algumas se referem à redação do TCLE, escopo deste artigo. Então, vejamos as principais pendências que dizem respeito à linguagem.

ApontamentoProblemaSolução
Linguagem inacessívelUso de termos excessivamente técnicos.Redigir um documento conciso, claro, com linguagem adaptada e acessível ao público leigo.
Terminologia inadequadaTraduzir “research study” para “estudo de pesquisa”.Utilizar o termo “estudo” ou o termo “pesquisa”.
Terminologia inadequadaUtilizar o termo “sujeito de pesquisa”.A Resolução n.º 466/2012 atualizou o termo mais adequado para “participante de pesquisa”.
Terminologia inadequadaUtilizar título inadequado no documento. Exemplos: “formulário de autorização para pesquisa” e “termo de autorização de participação em estudo”. Incluo aqui o uso de “Termo de Consentimento Informado” (tradução literal do equivalente em inglês “Informed Consent Form”).Utilizar a expressão “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. É aceitável a adição de especificações, como “para estudo genético”.
Terminologia inadequadaUtilizar “medicamento do estudo”, sem fazer a distinção entre o produto sob investigação e o placebo.Utilizar termos que deixem clara a possibilidade de o participante ser incluído no grupo-controle ou placebo e explicar o que isso envolve.
Terminologia inadequadaUtilizar “cópia” em vez de “via”. Esse uso pode estar relacionado ao termo inglês “copy”.Utilizar o termo “via” para se referir ao documento original do TCLE, já que assim fica claro que o documento que o participante receberá estará assinado e rubricado em todas as páginas e não será uma cópia, que pode ou não ser fiel ao original.

Essas são algumas das pendências por questões linguísticas que podem ser evitadas se você, tradutor, estiver atento. Existem outros casos apontados e convido você a fazer a leitura na íntegra do documento disponibilizado pela CONEP. É importante lembrar que, em alguns casos, você pode não ter autonomia para fazer a correção do texto e evitar a pendência, mas você pode (e deve) avisar o cliente.

4. Leituras recomendadas

Tradutora farmacêutica no par inglês-português e revisora de textos em português, Gabriela Fazioni é pós-graduada em Tradução pelo Unibero e graduada em Letras Português e Inglês pela UEL. Iniciou na Tradução, em 2007, já na área farmacêutica, e não parou mais. Hoje se dedica à tradução para agências, à revisão de trabalhos acadêmicos e livros de autores independentes e à criação de conteúdo no Instagram (@gabriela.fazioni) para ajudar outros profissionais que estão iniciando na carreira de tradução e revisão.

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